quarta-feira, agosto 18, 2004

mais Tabacaria

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),

Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,

Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.



Janelas

(Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
Mania a minha de que tenho algo para dizer ao mundo, que me faz compreender o azedume que adivinho (ou invento?) nestas palavras.
Mas esperarei mesmo chegar a janelas alheias sem saber com que olhos olhar para fora da minha? Nunca escolher horizontes me pareceu tão importante, nem nunca eu hesitei tanto em fazê-lo. [E se soubessem quem é, o que saberiam?])

E porquê opôr o mistério à vida possível? A Milene tem razão, o mistério habita as coisas, habita-nos, não nos cala nem se nos opõe nem se apresenta como uma transcendência impossível.
Não sejas tonto, poeta, não te afastes assim de viver, não oponhas a realidade ao sonho ou ao mistério como se querer mais fosse sentença de passar ao lado da vida!
Gosto mais dele quando diz:
Gostava de admirar a beleza das coisas, descobrir no imperceptível, através do diminuto, a alma poética do universo.

Faz do mistério uma janela, olha para a rua com gosto!
Desculpem-me os meus amigos existencialistas, mas continuo a irritar-me com um certo conceito de "vida possível" que parece exigir de nós que fechemos todas as janelas que vale a pena abrir, para que esta vida seja suportável e eficaz, seja... real? (e ver reduzir a vida à eficácia arrepia-me um bocadinho, confesso).

O mistério desperta.
O mistério dá vontade de conhecer.
O mistério aponta para o alto.

4 comentários:

Anónimo disse...

E que qualidades são essas, escondidas e implicitas nas coisas, fechadas para lá da matéria opaca, à espera de um processo de desempanagem, que se desenhe uma janela aberta?

Também me consigo arrebatar por uma boa música, ainda que respeitador das leis da acústica, medindo cada nota pela sua frequência no espectro dos sons.

> Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,

Ou a satisfação partilhada, talvez seja ela o mistério. Fascinante um céu de Agosto, sem candeiros que o condenem, apenas luz emitida de alguns astros longíquos.

Afinal talvez o mistério seja horizontal.

SilverTree disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

> "Contemplá-las [as coisas] era a minha pergunta e a resposta delas era a sua beleza". Aponta a beleza como uma janela possível para Deus

Ou seja, há beleza e há Deus, unidos por unica relação que é a "beleza" sugerir "Deus".

Não creio que a beleza na natureza, seja uma qualidade intrínseca a qualquer objecto, por si totalmente determinado por qualidade físicas e outros processos determinísticos.

Vejo a "beleza" como um atributo humano, ao mesmo nível do quente ou picante, na diferença que suscita reacções apenas emotivas: não institivas corporais ou vegetativas; como que estabelece um "estado de alma" em face a um ser.

Quando determinado sujeito vê um pôr do sol, ao "receber" a beleza (apercebendo-se através dos sentidos normais, sensorialmente - é assim que nos relacionamos com o mundo físico - e criando os padrões de "beleza" que depende de sujeito para sujeito), ao querer falar dessa mesma beleza, não é forçoso de maneira nenhuma abrir-se a janela de Deus. Não que a escolha seja má, até pelo contrário, intuitivamente o conceito "Deus" encaixa, entre muitos outros conceitos, aquele que denominamos de "Beleza", no entanto nada disto atribui à matéria a necessidade de Deus só porque o homem é capaz de se sentir fascinado perante uma selva exótica.

> E se o mistério for (só) horizontal, desvanesce-se com o nosso eventual desencanto.

Mas continuo a sentir a beleza, e a experimentar emoções, ainda que não veja a marca divina.

O mistério pode ser substituído pelo espanto, a admiração, o fascínio, lembra-te de Jostein Garder. :)

SilverTree disse...

(volto a pôr o comentário que por pura azelhice apaguei em vez de modificar ^_^):

Que qualidades? Veio-me imediatamente à cabeça a resposta de que fala Santo Agostinho, bem melhor que eu:
"Contemplá-las [as coisas] era a minha pergunta e a resposta delas era a sua beleza". Aponta a beleza como uma janela possível para Deus ...gosto especialmente dessa janela! :) (que também tem as suas fraquezas, como é normal)
Proponho a leitura das Confissões de Santo Agostinho, Livro X, cap.VI


E se o mistério for (só) horizontal, desvanesce-se com o nosso eventual desencanto. Não penso que isso aconteça.

Ou dá antes uma vista de olhos à linha-base tão bem escolhida pela Milene para o blog.