Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Janelas
(Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
Mania a minha de que tenho algo para dizer ao mundo, que me faz compreender o azedume que adivinho (ou invento?) nestas palavras.
Mas esperarei mesmo chegar a janelas alheias sem saber com que olhos olhar para fora da minha? Nunca escolher horizontes me pareceu tão importante, nem nunca eu hesitei tanto em fazê-lo. [E se soubessem quem é, o que saberiam?])
E porquê opôr o mistério à vida possível? A Milene tem razão, o mistério habita as coisas, habita-nos, não nos cala nem se nos opõe nem se apresenta como uma transcendência impossível.
Não sejas tonto, poeta, não te afastes assim de viver, não oponhas a realidade ao sonho ou ao mistério como se querer mais fosse sentença de passar ao lado da vida!
Gosto mais dele quando diz:
Gostava de admirar a beleza das coisas, descobrir no imperceptível, através do diminuto, a alma poética do universo.
Faz do mistério uma janela, olha para a rua com gosto!
Desculpem-me os meus amigos existencialistas, mas continuo a irritar-me com um certo conceito de "vida possível" que parece exigir de nós que fechemos todas as janelas que vale a pena abrir, para que esta vida seja suportável e eficaz, seja... real? (e ver reduzir a vida à eficácia arrepia-me um bocadinho, confesso).
O mistério desperta.
O mistério dá vontade de conhecer.
O mistério aponta para o alto.