quinta-feira, agosto 18, 2005

A presença separada


Sobre a escultura de Giacometti

présence séparée
qui nous subjugue
par une sorte de commotion
silencieuse,
nous tient
mais à distance
sous l'emprise
d'un regard
d'une densité
presque
insoutenable.
Jacques Dupin
.
Giacometti, La Femme debout II
bronze (1959-1960)

segunda-feira, agosto 15, 2005

Assunção da Mulher

Vai mulher, corre
não temas não olhes segue!
corre mais, corre
chega ao lugar que te sossegue

vai mulher, salta
levanta mais alto as mãos
salta alto, salta
mete de parte pesos vãos

vai mulher, grita
geme como quem dá à luz
grita ao mundo, grita
que te oiça quem te seduz


vai mulher, cresce
não tenhas medo da solidão
segue o deserto, segue
rasga por dentro o coração


levanta-te mulher
apanha as migalhas e caminha
levanta o corpo e entrega-o
levanta o cálice e derrama-te
vai mulher
ama

Camille CLAUDEL, Le Dieu Envolé, 1894
Bronze, patine castanha

Assunção da Virgem

Vasco Fernandes, Assunção da Virgem

... do Hino Akathistos

A ti, Maria, como a general invencível, meus cantos de vitória!
A ti, que me livraste de meus males, ofereço meus cantos de reconhecimento.
Pois que tens uma força invencível, livra-me de toda espécie de perigos, a fim de que te aclame: Ave, Virgem e esposa!

Desejava a Virgem entender o mistério, e ao divino mensageiro pergunta:
Poderá uma virgem dar à luz um menino?


sábado, agosto 13, 2005

caminho de infância..


...quando supostamente queremos crescer








(Eu tinha um bibe azul...
Tinha berlindes,
tinha bolas, cavalos, papagaios...
A minha Mãe ralhava assim como quem beija...
E quantas vezes eu, só pra ouvi-la
ralhar, parti os vidros da janela
e desenhei bonecos na parede...)

Vida!, ralha também,
ralha, se eu te fizer maldades, mas de manso,
como se fosse ainda a minha Mãe...

O Menino Grande (excerto), Sebastião da Gama em Itinerário Paralelo, 1952

recortes de uma colónia


mãozinhas pequeninas que nos tocam terapeuticamente
e do toque da pele chegam ao coração da alma
suavizamos
pela contemplação com as crianças
das pequenas coisas
simples
como as conchas do mar

olhar o mundo com os olhos grandes
olhar a vida com a esperança de quem está no início
e confiar em quem nos guarda
longe dos pesadelos
quem nos dá um colo

chorar e rir porque a fala é tão complicada
conhecer vendo e estando porque falar complica sempre
esperar as surpresas
crescer nas correcções
birras amuos
personalidades já tão vincadas
e partindo das carências tantos tantos tesouros

imaginar a maternidade..

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A Flor

- Je travaille tant que je peux et le mieux que je peux, toute la journée. Je donne toute ma mesure, tous mes moyens. Et après, si ce que j'ai fait n'est pas bon, je n'en suis plus responsable; c'est que je ne peux vraiment pas faire mieux. Henri Matisse

Pede-se a uma criança. Desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutra; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais.
Depois a criança vem mostrar essa linhas às pessoas: uma flor!
As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor!
Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!

Almada Negreiros, A Invenção do Dia Claro, 1921

terça-feira, agosto 02, 2005

uma história do mar


a bruxa sozinha pensou no mar
e longe longe foi passear
chegou cedo a esse lugar
e ficou sossegada
talvez a descansar

na altura certa da falta de ar
levantou-se rápido a caminhar
quem diria o qu'ia encontrar
uma pedra rachada
com jeitos de brincar

surpresa! ela nem quis olhar
passou entre pessoas a passar
e a criança finge não notar
essa grande fachada
do querer (não) encontrar

a pedra ficou, olhava o mar
estava com outras talvez a gozar
a bruxa chegou e foi nadar
uma grande braçada
para não desesperar

voltava às vezes a esperar
que a pedra a (não) fosse procurar
o tempo passou e ela olhar
quebrou-se o nada
do real a regressar

meninos e meninas, não vão acreditar
mas as pedras são mestras no fazer lembrar
têm dentro os segredos
do tempo das bruxas
têm dentro os segredos
do fundo do mar

(mesmo que depois venham a apagar...)