quinta-feira, agosto 28, 2008

para não me esquecer

estou de férias e lembro-me:
tudo me é permitido, mas nem tudo me convém
tudo me é permitido, mas eu de nada me farei escravo
incluindo o ordenado ao fim do mês

tenho estado com os meus pais, ao pé do armazém deles andam uns cachorros rafeiros famintos

diz-se que rafeiro significa:
s. m., cão de guardar gado, casas ou quintas; cão sem raça definida, de raças misturadas;
fam., indivíduo que acompanha sempre outro, como o cão acompanha o dono.
(in http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx)

e lembro-me daquela que teve a coragem de se identificar com rafeiros

Evangelho segundo S. Mateus 15,21-28.
Jesus partiu dali e retirou-se para os lados de Tiro e de Sídon. Então, uma cananeia, que viera daquela região, começou a gritar: «Senhor, Filho de David, tem misericórdia de mim! Minha filha está cruelmente atormentada por um demónio.» Mas Ele não lhe respondeu nem uma palavra. Os discípulos aproximaram-se e pediram-lhe com insistência: «Despacha-a, porque ela persegue-nos com os seus gritos.» Jesus replicou: «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.» Mas a mulher veio prostrar-se diante dele, dizendo: «Socorre-me, Senhor.» Ele respondeu-lhe: «Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorros.» Retorquiu ela: «É verdade, Senhor, mas até os cachorros comem as migalhas que caem da mesa de seus donos.» Então, Jesus respondeu-lhe: «Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se como desejas.» E, a partir desse instante, a filha dela achou-se curada.

Como dizia o padre em madrid - hei-de escrever um post sobre madrid, talvez- será a nossa fé constante, firme?
É que Jesus não "despacha", nem é mágico. Ele ama-me e quer a minha correspondência de coração (o amor da cananeia pela filha), de esperança (o persistir perto d'Ele) e de fé (da resposta de quem sabe onde está o Pão que alimenta)

e voltando ao tema da liberdade, serei somente rafeira d'Aquele cujas migalhas me saciam.

quinta-feira, agosto 14, 2008

fátima

apontamentos visuais (na ausência de máquina fotográfica)
- procissão das velas, uma onda de luz no recinto, em direcção à Cruz e a Nossa Senhora; a Igreja que caminha para Jesus e com Jesus à sua frente, mas com a intercessão de Maria
- vigília, as tonalidades do céu, as diferentes tonalidades de luz na Igreja da Santíssima Trindade (que parece ela própria irradiar luz)
- capela do Espírito Santo na N.ª Sr.ª do Carmo, chama vermelha a indicar o sacrário
- missa no recinto, cheio, cores num fundo branco, céu azul brilhante, um corredor de nuvens suave, como uma estrada no céu.
- o adeus, sentir um nó na garganta, aumentado pelo peso da dor de um senhor mais velho (padre?) a chorar ao meu lado
- os sinos

+ a beleza da viagem (para e de fátima, paisagem dourada)
+ os olhos grandes da lara e a amizade da família ximenes neves ferreira

... foi bom parar e encontrar-me, entregar 6 meses e colocar-me outra vez a caminho

quinta-feira, agosto 07, 2008

o erro de Marie

Ando agora a ler há já algum tempo Flannery O'Connor sem realmente ter alguma vez chegado à conclusão de que Deus existe ou não. Aliás, os romances dela permitem essa leitura. Meu eu agora quero uma experiência verdadeira do «mistério» de que ela fala; saber como é que a pessoa sente. Apenas tocar no limiar, de modo a poder dizer a mim própria, oh, afinal é assim, e depois recuar. Ficarei do outro lado apenas o tempo suficiente para perpassar por ele. Sou curiosa (...)

segunda-feira, agosto 04, 2008

An Echo of Heaven

de Kenzaburo Oe

foi a minha recente leitura (ao tempo que não terminava um livro... e foram precisas algumas tentativas para conseguir fazê-lo).

fala de uma mulher que o autor - não sei se para forçar a colagem à discussão religiosa - chamou Maria.
Maria é uma mulher inteligente e intelectual, uma mulher forte

entrega-se a batalhas mas, não consigo deixar de pensar assim, sempre de uma forma exterior (apesar de todo o empenho que ela mostra)
- desde a protecção dos seus filhos (um deles deficiente, o outro que vem a ficar paralítico)
- à protecção de uns jovens 10-15 anos mais novos que a idolatram
- e o estar em tanta coisa (desde o apoio a grevistas de fome a ajudar uma companhia de teatro das filipinas num tour pelo japão)

morrem os filhos, morrem tragicamente, suicidam-se
e ela bate a todas as portas do seu raciocínio lógico e não compreende

não compreende

mete-se numa comuna religiosa, típica dos 60-80 (grupos de pessoas a quem a vida escapou-se-lhes do controlo, sem esperança que tentam caminhar juntas mas fora da Igreja, às vezes perdidas atrás de guias espirituais que estão eles próprios iludidos)
mete-se nessa comuna mas sempre exterior - sabe que aquela experiência de fé não é a que preenche o seu coração, não é a resposta que procura

e repulsa-lhe a ideia que o guia da comuna lhe tenta incutir:
- se no início era o Logos, então tudo o que existe, tudo o que é sentido pode ser entendido com a inteligência

esta resposta oiço-a tantas vezes nos corredores da Igreja (e sim, também já a dei tantas vezes quando me batiam à porta a pedir conselho): se isso aconteceu, há-de haver um sentido (lógico) para ter acontecido.

não quer dizer que não acredite, só acho que não é essa resposta que nos sossega - porque ficamos esperançados em encontrar essa lógica que, tantas tantas vezes, nos ultrapassa, é inalcançável com a nossa inteligência reduzida (mesmo que inflamada pelo Espírito Santo, há coisas que nos queimariam vivos se nos encontrássemos diante da presença inteira de Deus... que nos quer vivos para O amar e aceitarmos o seu amor)

não sei se fará sentido (talvez logo apague este post) mas às vezes, só uma resposta de confiança e de abandono e de "não pensar" é que não nos leva à loucura

isso de "levar a cruz", "completar em mim a Paixão", "entregar pelos outros"... são expressões que só serão verdadeiras quando as dissermos por nós, quando vierem directas do coração, sem esquemas de auto-ajuda

Maria não confiava em ninguém e era uma pessoa extraordinariamente só
o que não implicou fazer as coisas e entregar-se a causas e ser aclamada como "santa"
mas da leitura da personagem, fica-me esse gosto de quem aceitou um papel, uma representação de si, para conseguir acordar todos os dias
de quem, para controlar o desejo sexual, passou da cedência ao impulso, à procura da satisfação do impulso (sozinha ou acompanhada) chegando à anulação do impulso (com um voto circular feito para ela mesma).

o que faltou a Maria? um encontro com alguém que estivesse ao lado dela, só para ela e sem depender dela.

[passagem sobre o mistério]

contrariedades

não gosto do verão, faz-me sentir sozinha (que é diferente de estar só)
sentimento que é reforçado por comentários que vão desde o assumir que esse é e será o meu estado (o meu pai, indirectamente, que me fez lembrar um outro "pai"), ao atirar-me culpas por esse facto (indirectamente, os comentários dos amigos de "ter de trabalhar" para encontrar alguém), passando pelos amigos que têm os seus planos de férias já organizados e aos cortes de mais ou menos última hora.

não gosto do verão, o calor excessivo desorienta-me
e ando naquele ponto enjoado de excessivas elevações que não me convencem - hoje sou rés-do-chão bem céptico (apesar de sonhar com um andar com vista)

e contrario-me, tentando cantar/rezar 2 vezes

Confiarei nessa voz que não se impõe
Mas que ouço bem cá dentro no silêncio a segredar.
Confiarei ainda que mil outras vozes
Corram muito mais velozes para me fazer parar
E avançarei, avançarei no meu caminho
Agora eu sei que tu comigo vens também
Aonde fores aí estarei em Ti avançarei

O Senhor é o meu pastor, sei que nada temerei
Ele guia o meu andar, sem medo avançarei. (bis)


Confiarei na Tua mão que não me prende
mas que aceita cada passo do caminho que eu fizer
Confiarei ainda que o dia escureça
Não há mal que me aconteça se contigo eu estiver.
E avançarei, avançarei...

Confiarei, por verdes prados me levas
e em Teu olhar sossegas a pressa do meu olhar.
Confiarei, a frescura das Tuas fontes
Deixa a minha vida cheia, minha taça a transbordar.
E avançarei, avançarei...

... tenho períodos de vida que fecham de 3 em 3 anos.