sexta-feira, abril 27, 2007

Ando com ele debaixo do braço (2)

Os fundamentos lógicos da ciência, os fundamentos da própria lógica, que se tinha pensado serem eternos, vêem-se de repente fortemente abalados. Einstein apresenta uma surpreendente teoria da relatividade que invalida certos princípios da ciência clássica, e em particular a distinção espaço-tempo. Freud, inventando a psicanálise, destrói a psicologia superficial e racional em que tudo tendia a ser branco ou preto. (...) a química torna-se não lavoisieriana, a mecânica não newtoniana, a geometria não euclediana, a lógica não aristotélica. E a epistemologia não cartesiana. (...) Na realidade, apesar da esperança que um regresso à religião podia oferecer a alguns*, jovens chefes de fila como Malraux, Aragon ou Sartre mostram-se convictos de que "Deus morreu". (...)

Desorientados e angustiados, estes jovens intelectuais viram-se para aqueles que sentiram uma perturbação idêntica à sua, em particular Nietzsche, Kierkegaard e Dostoievski (poderíamos mencionar também Kafka, mas este só conhece grande popularidade após a guerra). (...)

Este sentimento ["trágico da vida"] impregna não só as filosofias existencialista e camusiana mas também este Teatro da Irisão que, em certos aspectos, constitui um prolongamento delas.

in Emmanuel Jacquart. O teatro da irrisão: temas, atitudes, composição. Cadernos CTA 6

a vertigem do início do século XX fascina-me! a capacidade de questionar tudo, uma quase reinvenção e recolocação do homem na criação... e depois tantos que só encontram a agonia da apenas existência, sozinhos, sem encontrarem explicação de si no Verbo... como malabarismos da razão sem a rede da fé... a partir destes, tantos errantes.

* nota minha: por exemplo, Paul Claudel.

2 comentários:

Anónimo disse...

Mas esses fundamentos lógicos da ciência nunca foram abalados!

A descoberta cientifica destrói, não a lógica da ciência, mas sim as descobertas científicas anteriores. De notar que a teoria da relatividade não é mais que a reutilização das equações do movimentos clássicas aplicando duas considerações: não existe um movimento uniforme absoluto e a velocidade da luz é constante e independente do movimento de qualquer corpo. Como todas as outras descobertas cientificas pode ser representada por uma equação lógica.

Esse texto diz-me a mim uma coisa muito mais abrangente: toda a cerrada protecção dos conceitos, valores e noções que possuímos do mundo moderno, seja por uma curteza do espírito, seja por convicções conservadoras, vai contra a lógica da evolução do homem e do lugar que ele tem no cosmos: destruir para poder construir melhor.

milene disse...

nem todas as descobertas científicas podem ser representadas por uma equação - isto aplica-se principalmente nas ciências da saúde. podemos esquematizá-las, fazer rabiscos mas muitas vezes não conseguimos equacioná-las.

o que o autor queria dizer, parece-me, é que no início do século passado, houve uma reviravolta: por um lado, por pessoas fartas de teorias mais que instaladas e caducas, por outro pela I grande guerra (e a ordem destes dois pontos é circular..).

como disse, fascina-me o não comodismo desta geração... mas não concordo quando diz que a lógica da evolução do homem passa pela destruição.. o teatro da irisão é um exemplo da desconstrução porque não era possível construir, porque não havia motivos para construir melhor - vou citar um excerto do mesmo livro que trouxe debaixo do braço.
:)

parece-me que a lógica do homem é tirar do que tem coisas velhas e coisas novas, acabar com algumas que não fazem sentido mas manter outras que lhe são importantes.