sábado, maio 21, 2005

Recantos

Há algures na cidade um cantinho. Só luz suficiente para iluminar a coluna com o disco dourado, com uma espiga de trigo trabalhada, por trás do qual Ele se esconde. Silêncio na casa. Jovens. "Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome...".


Se me envolve a noite escura...


Terceiro banco da direita, junto ao corredor central. Cara enterrada nas mãos. Silêncio no coração, ao menos uns minutos na semana. Perdão, Pai. Obrigada, Filho. Permanece, Espírito.


...e caminho sob abismos de amargura...


Em cima do altar, o cálice, por agora inerte, por agora quotidiano, mas ainda assim sinal do Absoluto, do Amor.


...nada temo, porque a luz está comigo...


Amanhã a catequese. Ainda não peguei nas coisas. (Amor que impulsiona, Amor que não deixa parar, Amor que se dá.) Amanhã aqui de novo. Antes de começar, depois de acabar. E Ele no centro. Ou assim devia ser. Vai sendo, conforme o peso da alma e a entrega do coração.


...nada temo, porque a luz está comigo.


Boa noite, capela. - A paz, essa vem comigo para casa.

7 comentários:

José Mata disse...

[sim eu sei... arghh... mas é o que eu penso em relação a isto - até porque não gosto nada da música]

"...nada temo, porque a luz está comigo"

Ou num toque de uma maior auto-suficiência, assaz libertadora: porque a "luz" pode faltar um dia, ou esquecermo-nos dela e ficarmos perdidos numa noite chata.

E porque soa mais alegre, forte e confiante: até, saudável?

... nada temo, porque eu sou.

Afinal de contas, todas as lutas com que o sujeito se depara são travadas na própria sociedade, têm como motivos razões cuja lógica segue aquela que é da própria sociedade, e as armas usadas são as mesmas que a sociedade fornece. Desafio-te a encontrares um contra exemplo.

Não seja a oração desculpa para que não se arregacem as mangas. Deus há-de resolver as coisas mas num outro sítio.

SilverTree disse...

"Eu sou"

Poucas coisas me alegram tanto como quando isso se apresenta como uma intuição, uma evidência. Que sensação de poder ao andar pela rua... quando o grau de auto-definição dispara por aí acima parece contagiar até as coisas ao redor. O verde das árvores é mais verde, o vento mais vento - mais ainda: o verde da árvore torna-se símbolo e cúmplice da maneira decida como percorro as ruas da cidade; o vento sopra só para me bater na cara e me fazer sentir mais viva.

Ninguém *é* por minha vez.
Eu sou.
Eu faço.
Eu aconteço.

(Que saudades desses dias, se me permites a confidência.)

Obrigada meu Deus por me dares o ser.
Obrigada meu Deus por me fazeres completa, sem necessitar, efectivamente, que alguém *seja* por mim.




"Afinal de contas, todas as lutas com que o sujeito se depara são travadas na própria sociedade, têm como motivos razões cuja lógica segue aquela que é da própria sociedade, e as armas usadas são as mesmas que a sociedade fornece. Desafio-te a encontrares um contra exemplo."
Perdi-me: o que é que uma coisa tem a ver com a outra?


"Não seja a oração desculpa para que não se arregacem as mangas."
Algo que - em princípio- qualquer cristão minimamente maduro na sua fé sabe. Mas obrigada na mesma por lembrares.

José Mata disse...

"Perdi-me: o que é que uma coisa tem a ver com a outra?"
Provavelmente nada; porque nada há que tenha a ver com alguma coisa: as ligações somos nós que as fazemos, e tu não fizeste aquela que eu quis fazer...

Porque a música está errada e só contribui para que as pessoas se desanimem. É apenas uma canção de embalar, própria para acalmar, inibir, afastar as pessoas realidade das coisas, da própria vida. Como em muitas músicas cristãs cujo mote é: "A vida é horrível. Humilha-te. Não desejes nada para ti. Deixa subir a tua alma.. o teu amor.. até que um dia, Santo seja, te esqueças de ti, esqueças a tua dor...".

Mas, provavelmente, qualquer Cristão maduro na fé sabe que não é assim: até é possível que hajam alguns que, não obstante, o vivam... aprendem-no assim tão bem... como afinal - não é...
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Uma óptima semana de estudo, trabalho e cinema (Festroia!!) ;)

SilverTree disse...

"A vida é horrível. Humilha-te.(..) te esqueças de ti, esqueças a tua dor..."

Se cristianismo for isso, não quero ser cristã.
Acima de tudo acredito que a mensagem de Cristo, e toda a ideia do seu sacrifício, passa exactamente por re-valorizar a vida: com amor é boa, é possível - e mais vale a pena mais que tudo. (o que, se for alguma coisa, é estupida, ingenuamente, optimista)
Essa tua definição, parece-me mais do budismo que outra coisa qualquer.

Quanto ao cântico, olho para ele e vejo uma afirmação de que a vida nunca é assim tão má.
Mas obviamente, estás mais que no teu direito de não gostares dele, ou de lá veres apenas desânimo.

José Mata disse...

Hey, mas eu não defini nada, apenas lembrei-me de uma mão cheia de músicas e constatei de como as letras convidam as pessoas a fugir da sua realidade, e a subir nem sei bem para onde.

"re-valorizar a vida: com amor é boa"

E sem amor, quanto vale uma existência? Se for daquele amor que o padre convida a assembleia a distribuir "por todo o mundo", podes ficar com ele; a mesma coisa para o amor humanista: para efusões desinteressadas, já basta ver o futebol. Não há nada mais salobro que o amor desinteressado, aquele que diz, "amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei", _e_ mais hipocrita. É tão indiferente dar deste género de amor, como receber...

Mas, e a vida sem amor?

A religião não valoriza a vida, na medida em que tem que inventar o seu conceito de amor para que ela se torne suportável.

SilverTree disse...

A tua ideia de amor parece-me muito amargurada e reduzida a um ponto único (o Eu!)

Mas pronto, lá está, posso ser eu e a minha irritante ingenuidade a não ver bem as coisas.

Bom estudo!

fernando macedo disse...

olá.
como não disponho mail do só no mistério, deixo aqui mensagem informando que na próxima segunda sai uma terra da alegria que conta com uma contribuição aqui da casa. caso queira contactar, pode usar o mail do meu blog. um abraço