de Kenzaburo Oe
foi a minha recente leitura (ao tempo que não terminava um livro... e foram precisas algumas tentativas para conseguir fazê-lo).
fala de uma mulher que o autor - não sei se para forçar a colagem à discussão religiosa - chamou Maria.
Maria é uma mulher inteligente e intelectual, uma mulher forte
entrega-se a batalhas mas, não consigo deixar de pensar assim, sempre de uma forma exterior (apesar de todo o empenho que ela mostra)
- desde a protecção dos seus filhos (um deles deficiente, o outro que vem a ficar paralítico)
- à protecção de uns jovens 10-15 anos mais novos que a idolatram
- e o estar em tanta coisa (desde o apoio a grevistas de fome a ajudar uma companhia de teatro das filipinas num tour pelo japão)
morrem os filhos, morrem tragicamente, suicidam-se
e ela bate a todas as portas do seu raciocínio lógico e não compreende
não compreende
mete-se numa comuna religiosa, típica dos 60-80 (grupos de pessoas a quem a vida escapou-se-lhes do controlo, sem esperança que tentam caminhar juntas mas fora da Igreja, às vezes perdidas atrás de guias espirituais que estão eles próprios iludidos)
mete-se nessa comuna mas sempre exterior - sabe que aquela experiência de fé não é a que preenche o seu coração, não é a resposta que procura
e repulsa-lhe a ideia que o guia da comuna lhe tenta incutir:
- se no início era o Logos, então tudo o que existe, tudo o que é sentido pode ser entendido com a inteligência
esta resposta oiço-a tantas vezes nos corredores da Igreja (e sim, também já a dei tantas vezes quando me batiam à porta a pedir conselho): se isso aconteceu, há-de haver um sentido (lógico) para ter acontecido.
não quer dizer que não acredite, só acho que não é essa resposta que nos sossega - porque ficamos esperançados em encontrar essa lógica que, tantas tantas vezes, nos ultrapassa, é inalcançável com a nossa inteligência reduzida (mesmo que inflamada pelo Espírito Santo, há coisas que nos queimariam vivos se nos encontrássemos diante da presença inteira de Deus... que nos quer vivos para O amar e aceitarmos o seu amor)
não sei se fará sentido (talvez logo apague este post) mas às vezes, só uma resposta de confiança e de abandono e de "não pensar" é que não nos leva à loucura
isso de "levar a cruz", "completar em mim a Paixão", "entregar pelos outros"... são expressões que só serão verdadeiras quando as dissermos por nós, quando vierem directas do coração, sem esquemas de auto-ajuda
Maria não confiava em ninguém e era uma pessoa extraordinariamente só
o que não implicou fazer as coisas e entregar-se a causas e ser aclamada como "santa"
mas da leitura da personagem, fica-me esse gosto de quem aceitou um papel, uma representação de si, para conseguir acordar todos os dias
de quem, para controlar o desejo sexual, passou da cedência ao impulso, à procura da satisfação do impulso (sozinha ou acompanhada) chegando à anulação do impulso (com um voto circular feito para ela mesma).
o que faltou a Maria? um encontro com alguém que estivesse ao lado dela, só para ela e sem depender dela.
[passagem sobre o mistério]
segunda-feira, agosto 04, 2008
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3 comentários:
Até agora, cada vez que tentei isso fiquei entalada entre o fatalismo e a revolta - não gosto de ouvir ninguém dizê-lo. Para mim não tem tanto sido o aceitar que há objectivos que eu não consigo ou posso alcançar, mas que há acontecimentos que em si não servem mesmo para nada. Ter alguma coisa a retirar do mau pela minha inteligência, pelo que aprendo, pela minha Fé, às vezes é “só” um bónus, não um objectivo colocado por dedo divino à partida.
Talvez isto seja um discurso típico de certas balelas existencialistas (sempre muito deslumbradas com a sua própria coragem de não acreditar em nada num mundo oh! tão lixado): é possível, o assunto ainda me está muito adolescente, mas pensar assim tem-me ajudado a não andar às voltas em terrenos estéreis - em culpas estéreis, em revoltas estéreis, em fatalismos que me aniquilam o espírito.
Mas não ligues demasiado ao que escrevi: com algum egoísmo, aproveitei mais para fazer a minha “higiene” em relação ao assunto que outra coisa qualquer :)
(É o que dá publicar um comentário sem o reler; caso não se entenda, estou-me a referir a
"se isso aconteceu, há-de haver um sentido (lógico) para ter acontecido")
:) sim, o autor é manifestamente existencialista e esta personagem tb se diz isso: daí o não aceitar um sentido, apesar de o procuarar (ou será que não o chega a fazer verdadeiramente).
esquecemo-nos que a inteligência/ciência (do Espírito, aquela que nos faz conhecer a lógica de Deus nas coisas do mundo) é dom... talvez alguns a tenham mais que outros. mas acho que em alguns momentos percebemo-la, ela é "dada" mais.. e que noutras situações, só é dada no tempo de Deus.
não é isto um manifesto ao não querer pensar.. apenas um reconhecimento humilde que há coisas que não vale insistir, antes treinar a confiança/esperança.
e antes prefiro esse silêncio de quem bate com a cabeça na parede umas qtas vezes e depois segue caminho, do que as respostas "elevadas" face ao sofrimento humano: deficiência, fracasso, abandono e morte
faz-te sentido?
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