segunda-feira, janeiro 31, 2005

Viver

Comentário ao Evangelho do dia feito por
Venerável Charles de Foucauld (1858-1916), eremita e missionário no Saará
Meditação 194 sobre os Evangelhos


“Vai para tua casa, para perto dos teus;
anuncia-lhes tudo o que o Senhor fez por ti”


Assim que desejamos seguir Jesus, não nos surpreendamos se Ele não o permite imediatamente, ou mesmo se ele não o permite nunca... Com efeito, ele vê mais longe do que nós; ele quer, não somente o nosso bem, mas o bem de todos...

Seguramente partilhar a sua vida, com e como os apóstolos, é um bem e uma graça, e devemos sempre esforçarmo-nos por nos aproximar desta imitação da sua vida. Mas... a verdade, a única perfeição, não é levar este ou aquele estilo de vida, é fazer a vontade de Deus; é levar o género de vida que Deus quer, onde ele quer, e levá-lo como ele próprio o teria levado... Quando ele deixa a escolha a nós próprios, então sim, procuremos segui-lo passo a passo o mais exactamente possível, partilhar a sua vida tal como ela foi, como o fizeram os seus apóstolos durante a sua vida e depois da sua morte: o amor leva-nos a esta imitação... Quando a sua vontade nos quiser algures, vamos onde ele quiser, levemos o género de vida que a sua vontade nos designar, mas em qualquer lugar aproximemo-nos dele com todas as nossas forças e sejamos em todos os estados, em todas as condições, como ele próprio seria se ele tivesse sido conduzido aí, se a vontade do seu Pai o tivesse aí colocado como nos colocou a nós.

http://www.evangelhoquotidiano.org





enraizar a Cruz no coração
viver o dia-a-dia como Jesus viveu 30 anos em Nazaré

domingo, janeiro 30, 2005

Domingo de Bem Aventuranças



...Jesus gosta do que é belo!

rezar este Evangelho no próprio lugar onde foi proclamado:

sentir o coração a rasgar com a beleza deste lugar
perceber o cheiro da terra pisada pelas multidões em busca d'Ele
querer ser essa pobre do Espírito, pedi-l'O insistentemente,
como quem joga a vida nesse pedido.

procurar a beleza interior.. e guardar esse tesouro da fé com amor e temor!

encontros

Casca
Toranja

Continuamos a tratar da casca
Continuamos a moldar a casca
Continuamos a remar de costas
E a provar águas quase mortas
E a viver ruas já pisadas
E a levar pedras já usadas
Num saco meio roto
Num saco meio morto

Tentamos não manchar a casca
Para fazer brilhar a casca
Tentamos não parar de costas
Tentamos não falhar respostas
Que nunca nos vejam de fora!!
É para nós que o mundo adora
Passos de dança no chão
É para nós que os olhos olham.

Tentamos disfarçar demónios
Por medo desviamos olhos
Por fuga apagamos fogos
Por escudos renascemos novos
Sem rasto esquecemos lábios
Altivos, rastejamos, sábios
Cada vez mais fundo
No buraco do mundo

Com força agarra-se a casca
Que é só o que nos resta
Que o mastro derreteu
Mais tudo encolheu
Quisemos testar barreiras
E construímos teias
Difíceis de romper
E aqui ficamos presos
...na casca.

Casca é tempo que dói
É janela fechada que estilhaça
quando se olha para trás..
Vento é o que bate na cara
É só largar a casca!!
Não se olha para trás!



ok, porque não posso ser assim? (ver resposta a seguir)

Lado (a lado)
Mafalda Veiga

Há gente que espera de olhar vazio
Na chuva, no frio, encostada ao mundo
A quem nada espanta
Nenhum gesto
Nem raiva ou protesto
Nem que o sol se vá perdendo lá ao fundo

Há restos de amor e de solidão
Na pele, no chão, na rua inquieta
Os dias são iguais já sem saudade
Nem vontade
Aprendendo a não querer mais do que o que resta

E a sonhar de olhos abertos
Nas paragens, nos desertos
A esperar de olhos fechados
Sem imagens de outros lados
A sonhar de olhos abertos
Sem viagens e regressos
Outro dia lado a lado

Há gente nas ruas que adormece
Que se esquece enquanto a noite vem
É gente que aprendeu que nada urge
Nada surge
Porque os dias são viagens de nínguém

A sonhar de olhos abertos
Nas paragens, nos desertos
A esperar de olhos fechados
Sem imagens de outros lados
A sonhar de olhos abertos
Sem viagens e regressos
A esperar de olhos fechados
Outro dia lado a lado
Aprende-se a calar a dor
A tremura, o rubor
O que sobra de paixão
Aprende-se a conter o gesto
A raiva, o protesto
E há um dia em que a alma
Nos rebenta nas mãos


sábado, janeiro 29, 2005

Hoje foi assim


Maria Helena Vieira da Silva,Enigma, 1947


Escuro e luar
Mafalda Veiga

Feitos de chão, de chuva e sonho
fora do tempo
despedaçado o que fica de nós
nas batalhas sentidas cá dentro
por isso é que eu sigo esse brilho da noite
que é estrela ou chama
olhar ou mar
e vou procurar essa luz
mas só quero lá chegar contigo

feitos de tempo em mil pedaços
de escuro e luar
há uma noite que é escolhida pra ser
essa noite que se há-de guardar
por isso é que eu sigo esse brilho ou calor
que é estrela ou chama
ou tu em mim
e vou pra poder descobrir
quem é que ainda sou contigo

dispo o cansaço e recomeço
mais uma vez
há um sorriso que nos salva do frio
e recolhe o que a vida desfez
se me desarmo noutro feitiço
num outro olhar
há um abrigo que não deixa morrer
quem nós somos e o que temos pra dar
por isso é que eu sigo esse brilho da noite
que és tu em mim
ou quem eu fui
e vou pra poder descobrir
quem é que ainda sou contigo

sexta-feira, janeiro 28, 2005

27 de Janeiro

uma flor para a minha mãe


Matisse, La fleur

quinta-feira, janeiro 27, 2005

a questão do chocolate...

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
(...)
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)


_____

amanhã é um daqueles dias,
um pouco distantes
que dispensava no currículo.

amanhã será uma daquelas conversas que não quero pensar
vou levantar-me
ou pelo menos gostava de levantar-me
vou levantar-me e olhar o mundo alheio
não com incredulidade mas como quem não quer pensar
não quer arriscar
não quer pensar no que pode ou não dizer
no que pode ou não fazer para conquistar o mundo

se calhar é só uma questão de paixão
não de necessidade
mas do desejo "que é o que permanece quando as necessidades estão resolvidas"
do desejo de ao menos saber o que desejo
que tolice!

eu não sonhei que conquistei o mundo
e nem quero conquistá-lo
talvez até seja fácil fazê-lo, àqueles que parecem ter sempre sucesso

antes quero a verdade do chocolate
não comer mas saborear
não deter-me no papel de estanho (que é só embrulho)
mas perceber a textura, o aroma, o sabor
...
não a necessidade mas o desejo


amanhã é outro dia
... e o céu há-de brilhar
um dia

quarta-feira, janeiro 26, 2005

Às vezes dá vontade...

...

Pelos Ares (2002)
Adriana Calcanhotto / Antonio Cícero

Não lhe peço nada
Mas se acaso você perguntar
Por você não há o que eu não faça
Guardo inteira em mim
A casa que mandei
Um dia
Pelos ares
E a reconstruo em todos os detalhes
Intactos e implacáveis
Eis aqui
Bicicleta, planta, céu,
Estante cama e eu
Logo estará
Tudo no seu lugar
Eis aqui
Chocolate, gato, chão,
Espelho, luz, calção
No seu lugar
Pra ver você chegar



Cavalo voador e malabarista. Marc Chagall, 1887, litografia 1956

terça-feira, janeiro 25, 2005

sempre fui teatral...

... quem diria!

Actress (AM-FM)
You're stuck at home, standing alone
This time you're choking with your words
Staring your face, faking an end
You act a dream that it's not yours
You pretend and perform, don't you ever stop trying
You were meant to be
You're suppose to be
The most happy girl in this whole world
You're a part of me
Don't you ever be
Far away from me in this whole world
The Gift



Marc Chagall - Le Cirque bleu (1950)


segunda-feira, janeiro 24, 2005

Robert Doisneau (2)



Beijo em frente ao Hôtel de Ville

...

Robert Doisneau


músico à chuva

...essa que parece nunca mais chegar..

sexta-feira, janeiro 21, 2005

retomo... cantando!

Eu cantarei,
quando a manhã abrir as portas do meu esforço,
eu cantarei,
quando o alto-dia me fizer fechar os olhos,
eu cantarei,
quando a noite entrar como a Imperatriz vencida
eu cantarei a Tua Glória e o meu desígnio
eu cantarei
e nas estradas ladeadas por abetos,
nas áleas dos jardins emaranhados
nas esquinas das ruas, nos pátios
das casas-de-guarda,
a Tua Vitória entrará como um som de clarim
e o meu desígnio esperá-la-á sem segundo pensamento.


Álvaro de Campos (Pessoa: 1888-1935)
Poesia